segunda-feira, 6 de abril de 2009

A «Janela do (In)Finito» de Anselmo Borges

Sendo o Homem biologia e cultura, como se relaciona ele com a transcendência? Será a religião uma mera experiência espiritual para acalmar os nossos medos? Deus existe? O que é o Homem? Os nossos tempos exigem-nos optimismo ou pessimismo? O século XXI será religioso?

Depois do «Deus para o Século XXI» (ver aqui), Anselmo Borges, Padre da Sociedade Missionária Portuguesa, e reputado colunista do Diário de Notícias sobre temas de religião, traz-nos 99 pequenos e iluminados textos, agrupados em 4 capítulos – «Do Transcender ao Transcendente», Religião e Religiões», «Religião e Sociedade» e «Morte e Esperança» – que foram publicados na imprensa, instigando-nos à reflexão sobre o fenómeno religioso e os seus caminhos na era da globalidade.

O título deste novo tomo encerra a vastidão, complexidade e até mesmo o carácter intangível da matéria que nos é proposta reflectir: «Janela do (In)Finito» remete para o mistério e enigma, pois a janela abre para a «intimidade e para o mundo», é «fronteira, limiar e sonho», como declara o autor em «Palavra de Abertura»: «O que se vê de fora para dentro tem sempre a ver com o oculto, o segredo, a intimidade, o sagrado. E o que se vê de dentro para fora? Baudelaire escreveu: “Je ne vois qu’infini par toutes les fenêtres”: só vejo infinito por todas as janelas. Através de uma janela, não se vê apenas o que está aí, à frente dela. Uma janela dá para o ilimitado, para o infinito.».

«Uma janela permite olhar o mundo, mas também favorece a entrada de ar fresco», refere Guilherme d’ Oliveira Martins, no Prefácio, aludindo também à depurada expressão escrita de Anselmo Borges, pautada pela clareza, mas não «facilitismo» ou «ligeireza». Uma janela, pois, por onde entra um pedagógico ar fresco, tão necessário aos dias que correm; a argumentação é envolvente, pululada de breves histórias, para prazer da leitura e, consequentemente, encontros efectivos com a reflexão.

Dar sentido à realidade ambígua

Será que, como defendia Schopenhauer, «o optimismo não passa de escárnio frente à dor sem fim nem limites da humanidade» ou, segundo o optimista Leibniz, este é «o melhor dos mundos possíveis»? Pegando nestas duas posições contrárias, Anselmo Borges argumenta: «o mundo nem é óptimo nem é péssimo. O mundo é ambíguo, uma mistura de bem e de mal. (…) a própria Bíblia, que é toda atravessada pela esperança, não é de modo nenhum ingénua nem ignora o horror do mundo. O livro de Job é paradigmático. Job, inocente, açoitado pela desgraça, ousa erguer a voz em quase blasfémia, quer levar Deus a tribunal e chega a amaldiçoar ter nascido (…) De qualquer modo, no meio de uma história de calvário, a Bíblia é uma gritaria por liberdade, salvação e sentido.».

O Homem é inquietação e transcendência, porquanto carrega consigo a pergunta pela Ultimidade, que ele não domina, «a pergunta pelo sentido de todos os sentidos, portanto, a pergunta última», refere-se. Ora, defende-se, esta busca de sentido é tão «central na vida humana que a história da Humanidade não se compreende sem a história da consciência religiosa, não sendo de esperar o fim da religião e das religiões.». Detendo-se na «Esperança», enquanto motor da caminhada humana, diz-nos o texto:

«O homem, como o animal, não pode não esperar: vive orientado para o futuro e esperando o que ele projecta, isto é, a consecução de metas e objectivos concretos e também, quer se dê conta disso quer não, o que permanentemente transcende a obtenção desses projectos. A esperança tem, pois, dois modos complementares: a esperança do concreto (o hábito de confiar que os projectos parciais se irão realizando bem) e a esperança do fundamental (o hábito de confiar – a confiança não é certeza – em que a realização da existência pessoal será boa).
Esta esperança do fundamental é a “esperança genuína”, que assume também dois modos, que não se excluem: a esperança terrena e histórica e a esperança meta-terrena e trans-histórica. Esta é própria dos crentes numa religião que afirma confiadamente a vida para lá da morte em Deus.
Aí encontraria o Homem finalmente, como diz Santo Agostinho, aquela plenitude por que aspira na tensão constitutiva entre a sua radical finitude e a ânsia de Infinito: “o coração está inquieto enquanto não repousar em ti, ó Deus”. “Santa esperança!”, dizia Péguy».

A dupla vertente da actual crise

Mas, num mundo onde a religiosidade é dispersa, onde coabitam crentes, agnósticos e ateus, onde a morte é tabu e o homem, despido do sentido de eternidade, quer viver “um só dia”, como está a «Esperança»? No texto «A modernidade: a crise e o mal-estar», Anselmo Borges aborda a crise da nossa sociedade, numa sintética e soberba viagem pela História, concluindo:

«A crise tem, pois, uma dupla vertente. Há o perigo do fim do humanismo, na medida em que dissolve o Homem na natureza, na física, na bioquímica. Cada vez mais o homem é produto do homem. Por outro lado, a crise está à vista na falta de sentido, na vivência, do niilismo e do seu mal-estar. É assim que, por exemplo, a palavra de ordem é competir, concorrer. Mas ninguém nos diz para quê. Já não há as grandes finalidades humanas, pois tudo se reduz, segundo a razão instrumental, a meios para outros meios, sem fim. Agora, no quadro da globalização, o destino é mesmo concorrer pura e simplesmente, pois a alternativa é: concorrer ou morrer.
Terreno propício para fundamentalismos!
».

Janela do (In)Finito, Anselmo Borges; Campo das Letras, Porto 2008

© Teresa Sá Couto

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